FILHOS: UM SENTIMENTO BIPOLAR

Quando comecei a escrever sobre meu ponto de vista da paternidade, muitos me crucificaram e muitos se identificaram. Tudo começou com um desabafo sobre a gravidez e o parto.

Nunca generalizei, sempre relatava o que vivia, via ou sentia. Como um diário dos momentos mais marcantes, tentei relatar tudo de uma forma que eu pudesse ler mais tarde, relembrando, dividindo com meus amigos que estavam passando por isso ou iriam passar e quem sabe um dia deixar meus remelentos lerem num futuro próximo, seja para rirem, chorarem ou me processarem. Desde os primeiros dias eu já percebi que filhos não são um comercial de margarinas. As coisas boas, todo mundo faz questão de falar, alguns pais gostam de se gabar, mas revistas e programas de TV não vendem verdades. E quando você vai ver que está ficando complicado, que não é bem aquilo que tu viu ou leu sobre, eles já estão grandes demais para colocá-los dentro de uma caixa de sapatos e abandoná-los na porta de um convento... Mas tu que não tem filho, iria saber disso como? Duvido teus pais te contarem, eles estão doidos por netos e doidos para se vingarem de tudo que tu fez eles passarem há anos atrás!

E por mais que tu leia, ouça, converse, tu nunca vai estar preparado para ter filhos...nunca! Nunca estará preparado quando eles chorarem de dor! Quando eles tiverem 40ºC de febre! Quando eles precisarem de uma cirurgia, por menor que ela seja! Nunca estará preparado quando o boleto da creche chegar! E isso é só o começo que vivi até agora. E quando surgirem assuntos sobre sexo? E quando começarem a fazer sexo? E quando surgirem assuntos como drogas? E se eles se envolverem com drogas?! E quando eles não atenderem o celular? E quando eles saírem de casa? Jesus!

Sempre disse que ter filhos não é um ato racional do ser humano. Se você parar pra pensar, botar tudo na ponta do lápis, contabilizar os custos, adicionar as noites mal dormidas, as manhas, as horas na emergência, você não vai ter filhos... não vai! E nem falei do lado psicológico (e só isso dá "pano" pra mais um post), nem da sua rotina... porque tudo isso vai mudar também... Tudo!

Aí vem você e fala: "É, por esse lado você tem razão!". Aí te falo: "Não, não tenho! Isso talvez seja só o meu lado egoísta falando... meu lado acomodado, preguiçoso, material!". Será? De verdade, tenho um sentimento meio bipolar em relação a ter filhos. Tem dias que eu me arrependo profundamente, e já ouvi de mães sinceras a mesma coisa. Outros dias tenho a certeza que não conseguiria viver sem eles. E pra tu ver como é um sentimento tão complexo, já pensei várias vezes em ter mais um! "Porr*, como assim?! Depois de tudo que tu escreveu aí em cima?!". Não sei, só sei que já pensei e sempre que penso, por mais que tenha um lado meu me travando, querendo muito uma vasectomia, tem alguma coisa perdida lá no meio que se empolga dizendo que mais um seria muito maneiro, que eles fechariam o banco de trás do carro, que os três comigo daria para jogar um 2x2 no basquete... já sonhei com isso. E sempre que penso nisso, dou um sorriso. E juro que depois de tudo que passei eu não sei explicar esse sorriso. Ou sei? E é assim mesmo, quase todos os dias... e sei que muita gente pensa igual, mas quase ninguém fala com medo de ser julgado... e na boa? O dia que alguém aqui pagar minhas contas, o boleto da creche, vou pensar no que falar com medo de machucar ou não os hipócritas...

Porque eu já tomei lição de moral de pais que dormem a noite todo alegando que tem que trabalhar no dia seguinte e deixam a mãe encarregada do turno noturno. De pais que não ajudam a trocar fraldas nem ferver mamadeiras. De pais que nunca passaram uma noite na emergência com o filho todo plugado. Já tomei lição de moral de pais que veem os filhos de 15 em 15 dias como foram orientados pela justiça. E aí tenho que concordar que para um "pai" desses, o meu texto é um exagero.

E como fazer para educar hoje com televisão, whatsapp, internet, essa garotada wi-fi que tem informação a disposição 24 horas sobre tudo? Como fazer a criança entender que você não pode dar a ela tudo que a coleguinha da escola tem, por exemplo? Ou explicar que algo está errado nesse país onde ela vê a maioria agindo errado visando seu próprio umbigo? Como pedir para eles não gritarem quando você está gritando? E aí o que não falta são pessoas dizendo como e quando você deve fazer isso e aquilo para seu filho fazer ou não determinada coisa ou agir ou não de determinada maneira. Quantas "supernannys" já vieram falar comigo que estou fazendo tudo errado...

Para quem ainda não tem filhos e tem dúvidas, encho a boca e respondo: NÃO TENHA! Não tenha se você for uma pessoa impaciente, se você quiser continuar acordando tarde nos fins de semana e feriados ou dormir a noite inteira. Não tenha filhos se você não quiser abrir mão da sua TV, do seu salário. Não tenha se você não quiser sentir o azedo de uma golfada ou do vômito dentro do seu carro. Se você não quiser ser interrompido várias vezes enquanto assiste a um filme ou suas séries favoritas. Não tenha se você faz questão de ter sossego nos almoços fora de fim de semana. Namore mais! Saia mais! Viaje bastante!

Para quem ainda não tem filhos e quer ter, encho a boca e respondo: TENHA! E TENHA MAIS DE UM! Porque ter irmão é uma parada muito fod* e nunca é demais! A inocência deles te dá esperança de que tudo pode ser melhor. Vê-los engatinhar pela primeira vez, andar pela primeira vez, ouvir um "papai" pela primeira vez, cada ato que pra nós é trivial sendo transformados em uma conquista, um troféu! Acompanhar o crescimento, ouvir as histórias inventadas na hora só para poderem conversar com você, o sorriso deles, o abraço apertado que me dão todos os dias quando chego do trabalho. Ver a felicidade absurda deles pulando na poça da chuva ou fingindo que uma caixa de papelão grande é um castelo. Ver a ingenuidade deles quando contamos um conto de fadas num dia e eles ficarem perguntando durante semanas sobre fadas, lobos e anões. Você dará sua vida por eles e sempre desejará trocar de lugar quando eles estiverem sentindo dor. Sempre brinquei dizendo que crianças não são coisas de Deus, mas eu sei que são sim! Talvez as únicas coisas de Deus que consigo ver hoje nesse mundo podre.

Rafa e Dudu, apesar de ter vontade de jogar vocês pela janela quase todos os dias, amo vocês mais do que jamais pensei amar alguém. Espero que vocês me perdoem por todas as vezes que falhei por vocês terem somente agido como crianças quando não percebi que vocês eram.