segunda-feira, 11 de janeiro de 2016
E DEUS FEZ O DUDU
Logo depois que a Rafaela nasceu, fiquei meio traumatizado com a rotina de ser pai: ver o parto normal, resguardo, golfadas, cocôs, muuuuito cocôs, troca de fraldas, levar mijada enquanto trocava a fralda, levar cagada enquanto trocava a fralda, cólicas no bebê, febre de 40ºC, levar pra emergência, noites mal dormidas, boletos da creche, enfim… pra quem não tá acostumado, é um ritmo frenético, é pressão, é responsabilidade. E isso tudo pesou muito na hora de pensar se a gente iria para o segundo filho ou não. Lembro de ter falado para a Cecilia que se eu voltasse a dormir uma noite inteira, não iria querer ter outro não. Então que se fosse pra ter, teria que ser logo! Já emenda e passa tudo de uma só vez achando que seria mais fácil… aaaah, meu erro!
Cecilia parou de amamentar por volta dos 7 meses para tentar engravidar novamente. E aqui, como vocês sabem não durmo em serviço e mesmo tomando 2 litros de mate todos os dias, deu duas semanas e já estava lá, mais um herdeiro plantado. E na primeira gestação, nós queríamos menino, mas Deus trouxe a Rafa. E ela me surpreendeu positivamente. Apesar do estresse do primeiro parágrafo, ser pai de menina é muito gratificante. Ela sempre foi carinhosa, ria muito, sempre foi meio precoce na minha opinião, cada dia uma novidade diferente. E nossa preferência para o segundo filho era outra menina, porque gostamos muito e para ser uma parceira para a Rafa. Mas Deus veio com aquela frase já batida: “A zuera never ends…”.
Aí veio toda aquela rotina de consultas com a ginecologista, dieta, vitaminas, ultras… Aaaah, as ultras! Nunca vou me esquecer, dia 21/03/13, dia internacional da Síndrome de Down, fizemos a famosa “Translucencia Nucal”, que além de outras coisas mede a quantidade de líquido acumulado na nuca do bebê e a presença do osso nasal, que combinados com a idade da mãe resultam na possibilidade do seu filho ter ou desenvolver alguma síndrome, inclusive a de Down.
A doutora fica um tempão rodando o bebê para tentar medir tudo e notei que ela se esforçou mais na parte da face, do nariz. Depois de alguns minutos ela fala toda cautelosa: “Papai, mamãe, não estou conseguindo enxergar o ossinho nasal dele. Esse é um dos fatores que a gente mede nessa ultra. Mesmo assim, estou vendo aqui que com a idade da mãe e todos os outros fatores que já vi e estão OK, a chance dele ter alguma síndrome é muito baixa, é o que está mostrando o cálculo feito pelo computador”. Ela então pediu que a esperássemos na recepção e que o laudo sairia em alguns minutos. Uns trinta minutos depois ela chama a gente de volta a sala e fala: “Olha, refiz os cálculos porque estava achando a proporção que eu havia passado meio estranha e o resultado agora é um pouco diferente. A chance dele ter uma síndrome, como a de Down por exemplo, é de 1 em 67. Peço desculpas e blá blá blá…” e a partir dali eu já não ouvia mais nada do que ela falava. Só tinha dois números em minha cabeça agora: 1/67 e 1/12000 que era o da Rafa quando ela fez o mesmo exame. E tu vai do céu ao inferno em frações de segundos. Um mundo passa na sua cabeça e aquele 1/67 já vira praticamente 100%. E logo hoje, no dia internacional da Síndrome de Down?
Cheguei em casa e chorei, mas chorei muito mesmo! E chorei de novo quando contei para os meus pais. E combinamos de não falar para mais ninguém para não expor, se Deus quisesse ele seria um dos 66 entre os 67! Não tem necessidade de preparar os outros para algo que ainda seja uma probabilidade pequena (mas imensa, comparada com a Rafa, e isso não saia da minha cabeça).
Fomos orientados pela mesma doutora a se consultar com um médico neonatologista que era especialista em gestações com probabilidades iguais a nossa e ele confirmou a ausência do osso, vendo o vídeo gravado pela doutora. E falou, explicou um monte de coisas, falou das probabilidades, deu uma aula, mas que pra mim não serviu de nada, porque ficava pensando que as probabilidades não ajudariam meu filho caso ele fosse o “escolhido” entre os 67.
O doutor chegou a falar de um exame invasivo que poderia dar a certeza que a gente queria (ou não) saber, se ele tinha ou não alguma síndrome, o tal da amniocentese. E como todo exame invasivo pode causar algum dano mais sério ou até mesmo a morte do bebê. E comprometer a saúde do bebê para termos uma certeza, mesmo sabendo que ele tendo ou não, não poderíamos fazer mais nada, não tem cura, não valeria a pena arriscar.
E no auge do meu egoísmo, pensei no aborto. Me julguem! Não me achava preparado para ser pai de uma criança especial. E quem está? Sabia que ia requerer muito mais de mim. E logo eu que sempre fui impaciente até mesmo com a Rafa, que até então nunca tinha dado mais trabalho que qualquer outra criança na idade dela. E nessas horas o Google também não te ajuda, porque tu taca um assunto lá e ele trás um bilhão de fatos, fotos e “curiosidades” que só te deixam mais preocupados. É que nem ler bula de remédio, os efeitos colaterais que o remédio pra dor de garganta que tu vai tomar pode causar: derrame, paralisão múltipla dos orgãos, aumento da pressão arterial, gangrena, explosão da órbita ocular… Jesus, é melhor ficar com a dor de garganta!
E pra piorar tudo, o moleque era inquieto. Oxi! Todas as ultras dali pra frente ele não parava quieto, se mexia o tempo todo, era complicado medir e ver as coisas que tinham que ser vistas em cada sessão. E isso tudo vai te dando a certeza de que ele é diferente. E tínhamos parametros pra isso, pois a gente tinha acabado de passar por isso tudo na gestação tranquila da Rafa. Até pra ver o sexo era complicado porque ele colocava a mão na frente sempre, trocava de mão, jogava o cordão umbilical no meio das pernas. E aí, com 5 meses de gestação, a Cecilia começou a ter contrações, como se ele quisesse sair dali. Aquele confinamento incomodava muito ele e era muito perceptível. E a gravidez começou a tomar um rumo diferente, passou a ser de risco. Cecilia ficou de repouso desde então em casa sob medicação. Dali pra frente foi só agonia! Eu já tinha começado a ler na internet sobre ser pai de uma criança especial, já tinha aceitado a idéia e até tirado o preconceito que tinha em relação a síndrome de Down, e agora lia sobre ser pai de um prematuro hiperativo… vai vendo.
Com quase um mês antes do previsto, ele veio. Também de parto normal e no ritmo da gravidez dele, saiu quase que cuspido. Não deu tempo de anestesia, nem da obstetra fazer a epísio.
E na mesa de parto, segundo antes dele sair:
Cecilia: “Doutora, ele tá saindo!”
Doutora: “Calma, Cecilia! Controla a respiração…”
Cecilia: “Ele tá saindo! Tá saindo!”
Doutora: “Calma, não faz força, ele não está saindo!”
Cecilia: “Não to fazendo, ele tá saindo…”
Auxiliar: “Doutora, é melhor a senhora vir pra cá, ele tá saindo…”
E saiu! Lembro até hoje do anestesista meio que sem saber o que fazer com a seringa intacta na mão ainda na hora que ele saiu…
E Deus trouxe o Dudu! E eu não tirava o olho dele, procurando algo que me dissesse se ele era perfeito, se ele tinha alguma coisa, alguma coisa faltando, alguma coisa extra sei lá…
No berçário já, eu ficava olhando para o nariz dele, perfeito, e contava os dedos das mãos, dos pés, orelha (tinha as duas), olhos (também tinha os dois), o pinto tava lá também… e éramos só nós no berçário naquela madrugada. A sala onde ficam os familiares estava apagada ainda… e de lá eu vejo um vulto vindo em direção ao vidro. Era o meu pai, ele havia trazido a gente mas eu não sabia que ele tinha ficado lá, pois havia pedido para ele ir embora e que eu avisaria quando o Dudu nascesse. Mas vocês sabem como são os pais, né? Eles nunca obedecem a gente. E quando ele chega no vidro, ele pergunta se o Dudu está bem. Pergunto a pediatra na hora e explico rápido a gravidez pra ela e o fato da traslucencia nucal… ela olha pra ele por uns 5 segundos procurando traços perceptiveis de alguma síndrome e fala pra mim: “Pai, ele é perfeito!”. Faço um sinal de positivo para o vovô lá fora e nós dois choramos de novo…
Hoje, o meu rabujentinho tem dois anos, ama frutas (em especial uva), sempre a primeira resposta dele pra tudo é “não”, a covinha direita é mais funda que a esquerda. Gosta de livros, do Woody, do Lobo-mau, de Lego e da Marina (boneca da Rafa que é uma das amigas da Mônica do Maurício de Souza). Não gosta muito de contato, principalmente quando a irmã está carente e vem abraçando e beijando. Ri muito, tem uma voz rouca e chora pra tudo. Tem mais apelidos que dentes na boca (Dudu, Dupi, Dupi Doubles, Estagiário…). É bom de sono e só dorme segurando travesseiros ou brinquedos, e quando não está segurando, junta tudo e dorme em cima deles, como um dragão tomando conta do seu tesouro. Quando quer chegar em algum lugar ele corre, nunca anda! Sempre foi meio independente pra comer, mas acerta mais a cara que a boca ainda. Não avisa quando faz cocô, a Rafa que sente o cheiro e vem caguetar.
Queria dedicar esse texto a Cecilia, por ser a mãe que é, por ser a mulher que é, por ter amadurecido, por ter me ensinado muito e por sempre ter “Razão”. Aos meus pais, por estarem sempre, sempre ali quando precisamos. A Fê e o Rafa, por serem padrinhos presentes e em quem confiamos muito. E a um casal que eu me espelhei muito, sem nem mesmo eles saberem, que são Tonini e Priscilla. Vocês são um dos casais mais alto astral e do bem que conheço, sempre topando tudo, encaram tudo com alegria, fazendo tudo parecer fácil. Tirei muita força de vocês para poder passar por essa gravidez. Que vocês continuem sendo fortes, felizes e exemplo para muitos outros.
E ao Dudu, esse moleque que só me dá trabalho, que me desafia sempre, que sempre me bate quando recebe ordens, que me olha de rabo de olho e depois começa a rir, me fazendo rir. Que se joga em cima, que pula, que adora ser levantado. Ele é ranzinza, é chorão, ele é chato… tem os genes da mãe, né? Obrigado por testar meus limites, me mostrar que existem pontos fora da curva e que as probabilidade continuam sendo probabilidades. Obrigado por me mostrar que eu estava errado e que continuo errando. Você e sua irmã são meus motivos para tentar melhorar como pessoa, me tornar um exemplo melhor para vocês se espelharem. Juro que vou tentar ser melhor e que ainda jogaremos basquete juntos!
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